Ariel:
Um dos grandes alvos da crítica ao MM foi justamente a noção de que, o arquiteto-urbanista deveria projetar tendo em vista um homem-tipo. Claro que isto contribuiu para a disciplina, pois permitiu idéias padrão sobre áreas de trabalho, movimentos no espaço, circulação, conforto ambiental, ergonomia etc. Porém a crença no arquiteto como sujeito capaz de se posicionar de modo puramente objetivo diante de seu objeto de estudo/intervenção se mostrou, no mínimo, ingênua, dada a impossibilidade desta separação.
O arquiteto-urbanista é um ser social e, como todo ser social é agente e objeto das transformações urbanas, sociais, físicas e em todas as outras dimensões da vida. A noção de que o arquiteto-urbanista é capaz de estar acima/separado do grupo para o qual projeta contribuiu para a crise contemporânea do planejamento urbano e do urbanismo, pois se a premissa é a separação a conseqüência foi, como vimos, a separação – entendida aqui não como objetividade científica, mas como distanciamento, alheamento ou ignorância da realidade para a qual se propõe uma ação, se impõe um desenho.
Sendo agente e objeto, o arquiteto-urbanista é como qualquer outro indivíduo: do gari ao juiz de direito. Assim, quando você afirma: ‘vivo porque essa leitura resulta de um processo em que estou incluído como agente de alguma ação...’, mostra como, desde o princípio esta idéia já está presente em seu pensamento, como sinal de maturidade. Mostra que ou não há ou que você ao menos busca se livrar da crença na objetividade científica; você assume com dignidade a dimensão sociológica, subjetiva, de nossa profissão. Este ponto, por si só, já justifica e eleva seu trabalho acima da maioria dos trabalhos finais vistos por aí, até mesmo nos resultados de Opera Prima.
Penso que a arquitetura se esquece da realidade tanto no espetáculo (Bilbao) quanto na qualidade dos projetos, do detalhe (arquitetura dita séria). Você não olha para nenhum dos dois, muito embora seus projetos tenham essa qualidade também. Qualidade aqui se refere ao desenho agradável, com a solução genial, engenhosa, bela, mas que só olha para si.
Mas você não é gari ou juiz de direito. Deste modo, ao ser este duplo sujeito-objeto de um fato urbano, o arquiteto-urbanista possui um modo de ver e de agir específicos – assim como aquele garoto cumpriu o papel de fazer a pipa, o outro de ensinar skate, o outro de plantar a horta, a outra de trocar uma peça de roupa. O seu foi orquestrar isso tudo, com toda a complexidade e carga de informações envolvidas: desde suas memórias e experiências pessoais sobre a cidade, passando por Vitruvius, Palladio, Corbusier e Walt Disney, até suas leituras, conversas e seu blog. Com toda esta carga você, em primeiro lugar, se preocupou em se posicionar. Isto é fundamental e acho que é aqui a origem de tudo: você não admite agir sem ter uma visão clara e pessoal da realidade. Pensando bem, acho que essa é a origem de todas as profissões, inclusive a nossa: a partir de uma visão PESSOAL da realidade, mas com conhecimentos UNIVERSAIS, agir no mundo. No nosso caso, é ordenar/organizar/conformar o espaço físico de modo a responder às demandas sociais, mesmo que estas não sejam explicitamente pedidas, mesmo que sejam identificadas apenas por você, que é o especialista do espaço físico urbano. É universal, porque não inventamos a roda todo dia, porque utilizamos do que o homem já criou, descobriu, pensou. É pessoal, porque sempre é subjetivo, porque a ação se dá através de sua visão de mundo.
Acho que o seu trabalho é uma crítica à crise do desenho urbano. E você escolheu um caminho definido - mas que ainda não o percorreu completamente - que alguns estão tomando/já tomaram: uma mudança de escala. Da escala da cidade você parte para a escala da rua. Em paralelo, outra mudança você realiza: dos mapas objetivos para a percepção subjetiva da cidade. Por fim, em paralelo outra vez – riscos arriscados! – você ainda troca os desenhos e gráficos tradicionais, pela intervenção localizada, apostando nelas como termômetro a lhe dar o diagnóstico para a ação. É correto isso? Quem disse que não é? Se todo o processo ensinado na escola de desenho não alcança certas escalas, por que não arriscar este caminho? Mesmo que este caminho se confunda com as artes visuais, com a sociologia e com a economia: afinal a realidade não é compartimentada, mas tudo acontece ao mesmo tempo no mesmo lugar.
Finalmente, sua grande questão é como responder a duas demandas: a sua, que penso que já foi respondida e que se tratou de, neste tfg, travar contato com a realidade e encontrar provas de que é possível mudar/induzir alguma coisa, mesmo que seja um balanço ou um sorriso; e a demanda da escola, que é a demanda da profissão, que não se contenta em simplesmente ver que você mudou algo na vida de um grupo, mas que deseja ver como, com seu desenho, isso acontecerá. Pois o que está em questão, é o peso de milhares de anos de arquitetura, sempre firmado no desenho e no canteiro de obras: das pirâmides ao ninho de pássaro, passando pelo simples desenho de uma cadeira.
Abraço,
Henrique.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
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